A advocacia, embora cercada de prestígio, vem enfrentando uma crise silenciosa: a da saúde mental de seus profissionais. De acordo com Aroldo Fernandes da Luz, os índices de ansiedade, depressão, burnout e uso abusivo de álcool e medicamentos são significativamente maiores entre advogados do que em outras profissões. Esse cenário não é por acaso.
A rotina exaustiva, as metas agressivas, o contato constante com conflitos humanos intensos e a cultura do “nunca parar” formam um coquetel perigoso para a estabilidade emocional. A crise não atinge apenas os mais velhos ou experientes — ela começa já nos primeiros anos de carreira, alimentada por um ambiente que exige perfeição o tempo todo.
Como a competitividade do mercado jurídico contribui para esse cenário?
O mercado jurídico brasileiro é altamente competitivo e saturado, com mais de um milhão de advogados em atividade. Aroldo Fernandes da Luz frisa que essa concorrência acirrada cria um clima de disputa constante, em que mostrar fragilidade parece ser sinônimo de fracasso. Em muitos escritórios, especialmente nos de grande porte, o ambiente é comparável ao de empresas financeiras: jornadas longas, cobrança intensa por resultados, metas de produtividade e cultura de “estar sempre disponível”.
Essa cultura vem de uma tradição ainda muito presente no Direito, que associa dedicação à carreira com abnegação pessoal. “Trabalhar até tarde”, “viver para o escritório” e “dormir pouco” são frequentemente tratados como medalhas de honra. O discurso da alta performance, embora sedutor, esconde uma lógica de exaustão permanente, onde parar é sinônimo de fracasso.

Como isso afeta emocionalmente os jovens advogados?
Os jovens advogados são especialmente vulneráveis, pois entram no mercado com expectativas altíssimas e pouca preparação para lidar com frustrações. A transição entre a faculdade — onde ainda existe uma rede de apoio — e o mundo real da advocacia pode ser abrupta e solitária. Muitos enfrentam jornadas duplas ou triplas de trabalho e estudo, instabilidade financeira, insegurança sobre suas escolhas e medo constante de não estarem “fazendo o suficiente”.
Os escritórios e instituições jurídicas têm um papel fundamental e urgente na mudança desse cenário. Para Aroldo Fernandes da Luz, políticas internas que incentivem equilíbrio entre vida pessoal e profissional, limites claros de jornada, apoio psicológico, ambiente de trabalho saudável e valorização do bem-estar são medidas que podem transformar realidades. No entanto, isso exige uma mudança de mentalidade: é preciso reconhecer que produtividade não é incompatível com saúde mental.
Como o autocuidado pode ser uma estratégia de resistência?
Num cenário onde a cobrança é constante, o autocuidado se torna um ato de resistência. Reservar tempo para si, dormir bem, praticar atividades físicas, fazer terapia e manter conexões afetivas são atitudes simples, mas poderosas, para preservar a saúde emocional. No entanto, é preciso ir além do discurso individualizante e reconhecer que o autocuidado também precisa de estrutura: não basta recomendar pausas, se o ambiente de trabalho pune quem as faz.
Aroldo Fernandes da Luz explica que o sentimento de insuficiência — a sensação de que nunca se é bom o bastante — é um dos grandes fantasmas da advocacia contemporânea. Ele surge quando o profissional se mede por padrões inalcançáveis, impostos por um mercado que exige excelência contínua. Combater isso passa por reavaliar os próprios parâmetros de sucesso, aprender a dizer “não”, estabelecer limites saudáveis e buscar apoio psicológico.
É possível reimaginar uma advocacia mais saudável?
Sim, e é urgente fazê-lo. Aroldo Fernandes da Luz enfatiza que a reimaginação de uma advocacia mais humana, ética e emocionalmente sustentável exige a colaboração de todos: universidades, escritórios, entidades de classe e os próprios advogados. Por fim, é preciso desmistificar a ideia de que sofrimento é parte inerente do sucesso, e começar a valorizar trajetórias equilibradas, coerentes com os valores humanos.
Autor: Dean Ribeiro