As arenas lotadas, os aplausos empolgados e os gritos do público podem até parecer momentos de celebração cultural, mas escondem uma realidade alarmante. Eventos como esses são frequentemente exaltados como manifestações da identidade regional, quando, na verdade, expõem um lado sombrio que poucos desejam enxergar. Não se trata apenas de festa ou folclore, mas de práticas que envolvem dor, estresse e maus-tratos sistemáticos a animais que não têm escolha sobre o que estão fazendo ali. A tradição, por mais antiga que seja, não deve ser desculpa para ignorar o sofrimento alheio.
Por trás da estrutura grandiosa desses espetáculos existe uma engrenagem econômica que lucra alto com a submissão dos animais. Desde a venda de ingressos até a comercialização de produtos temáticos, toda uma cadeia se beneficia financeiramente da exposição pública da agonia animal. Esse modelo reforça um ciclo de exploração onde o entretenimento humano se sobrepõe à dignidade e ao bem-estar dos seres vivos. A sociedade precisa refletir sobre até que ponto é ético permitir que esse tipo de prática continue sendo visto como aceitável.
Ao contrário do que muitos acreditam, a imposição do sofrimento aos animais não é acidental, mas parte do funcionamento essencial desses eventos. Os métodos utilizados para forçar o comportamento desejado, como uso de instrumentos de choque e contenções agressivas, são comuns e muitas vezes considerados normais pelos organizadores. No entanto, o desconforto visível dos bichos mostra que não há consentimento, tampouco respeito pelas suas necessidades físicas e emocionais. O silêncio diante disso é conivente com a crueldade.
A romantização desses eventos contribui para mascarar a violência envolvida. Ao apresentá-los como atrações familiares e culturais, ignora-se deliberadamente os impactos sobre os animais, que são expostos repetidamente a situações traumáticas. Essa normalização impede que grande parte do público enxergue o que realmente ocorre nos bastidores. Para mudar essa realidade, é preciso mais do que indignação momentânea; é necessário um movimento contínuo de conscientização e rejeição a práticas que banalizam o sofrimento.
A resistência ao fim dessas práticas vem, em parte, do argumento de que representam tradições regionais importantes. Mas a evolução social sempre exigiu a revisão de comportamentos considerados normais em outros tempos. A escravidão, por exemplo, também foi um dia vista como parte da ordem natural das coisas. Isso mostra que nem toda tradição merece ser mantida. O que define uma sociedade ética é justamente sua capacidade de abandonar costumes injustos, por mais antigos que sejam.
Outro ponto negligenciado é o impacto psicológico nos próprios espectadores, principalmente nas crianças. Ao naturalizar cenas de dor e violência como entretenimento, gera-se uma insensibilidade crescente ao sofrimento dos outros. Isso tem implicações sérias na forma como futuras gerações lidam com empatia, respeito e cuidado com os seres vivos. A educação deve promover o amor e a compaixão, não a indiferença diante da dor. O entretenimento pode ser educativo, lúdico e respeitoso ao mesmo tempo.
É urgente ampliar o debate e criar mecanismos mais eficazes de fiscalização e proibição dessas práticas. A legislação precisa acompanhar os avanços da consciência social e garantir que os direitos dos animais sejam protegidos de forma real e não apenas simbólica. A mudança passa também pelo consumo consciente, pela pressão popular e pela escolha de lideranças comprometidas com o bem-estar animal. O poder está nas mãos de quem assiste, consome e decide o que deve ou não ser valorizado na sociedade.
Rever essas práticas é uma responsabilidade coletiva. Cada cidadão tem o dever de repensar o que está promovendo, assistindo e incentivando. Os valores que queremos transmitir precisam estar alinhados com o respeito à vida, em todas as suas formas. O momento exige uma transformação profunda nas formas de ver e tratar os animais, que não são objetos de exibição nem ferramentas de lucro, mas seres sencientes que merecem dignidade. Não é mais possível fechar os olhos.
Autor : Dean Ribeiro